Percebemos a beleza de nossa
saúde quando a perdemos, quando o que temos são pilhas de remédios em cima da
cômoda e quando as noites são passadas em claro.
Depois de quase seis meses após minha
lesão na coluna percebi o quanto nossa saúde é o nosso bem mais precioso, muito
mais que qualquer outra coisa em nossa vida.
Foram meses complicados, mas que
me ensinaram muito, ver minha bicicleta
dando teia de aranha durante esse tempo, me levava as vezes a querer limpa-la pra não sentir certa culpa.Mas o que é a culpa se não uma
desculpa pra verdades que não temos coragem de assumir nem pra nós mesmos?
Durante esse período longe da
bicicleta, dos amigos do pedal e das trilhas busquei outras coisas das quais
gosto, coisas que não envolvessem
esportes radicais.
Aprofundei-me na fotografia, me encontrei nas pessoas que
cuidaram de mim nesse período, percebi que tinha talento, sim muito talento.Talvez
um diamante bruto ainda, mas o olhar...ah o olhar esse não me falta, por que
sim nem eu sabia o quanto eu via beleza onde so havia deserto.
Inventei projetos fotográficos,
recebi elogios de pessoas que viam as fotos e houve uma até que me propôs publicar
uma foto minha....é não aconteceu, mas
uma hora vai e se não for.... é vida que segue!
Ontem tive que acordar com os
passarinhos, a hora mágica da vida é essa, quando a gente acorda, quando
abrimos os olhos mais uma vez e nesse
minuto simplesmente agradecemos pela vida, pela saúde... pelo amor!
Fui pra um pedal numa cidadezinha
a qual eu já havia estado com o Kico, numa ciclo viagem que fizemos... Glaura
...ah Glaura, antiga freguesia Santo Antônio
da Casa Branca do Ouro Preto,
é um distrito do município de Ouro Preto.Uma cidade que era ponto de
passagem dos bandeirantes. Em suas estradas aconteceram disputas
por causa da posse das terras mineiras, a tal Guerra dos Emboabas. Fiquei sabendo que o distrito é produtor de
frutas durante todo ano e tem os mais gostosos doces caseiros.
Chegar em Glaura me trouxe uma certa nostalgia, seria ali
minha grande prova de resistência, emoldurada entre as montanhas um sol tímido ia
mostrando as cores que se misturavam a cidadezinha.As casinhas coloniais, seu
chafariz histórico e sua bela igreja matriz...
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Foto: Letícia Tâmara |
Quando chegamos a pequena Glaura, logo ajeitamos as
bicicletas que pareciam gritar:”Vamos, vamos, vamos....” o percurso seria Floresta Estadual do Uaimií até o distrito de São Bartolomeu... ah
São Bartolomeu e suas deliciosas goiabadas cascão...hummm como eu amo
Minas... eu nasci no celeiro da arte, no
berço mineiro mesmo!
Então partimos, o calor era
mais um desafio e quando entramos na estrada de chão, foi como se uma força inexplicável
tivesse tomado conta de mim, ali seria a minha grande prova, ali seria o meu
grande desafio. As montanhas monumentais se ergueram diante dos nossos olhos e
naquele momento eu soube que não seria fácil.
Um percurso de 23 km com
poucas descidas, subimos 1200m, durante um momento tudo escureceu senti
medo...e quem não tem medo da escuridão?Mas respirei fundo e disse pra mim
mesma: “Você consegue...” E pronto a visão voltou e vi uma arvore retorcida,
bem estilo das vegetações do Cerrado.As pedrinhas tilintando no quadro da bike
e o calor escaldante foram me dizendo o caminho da sombra, da pequena sombra
que me acalentou.
A natureza é sempre muito generosa, mesmo quando não sabemos dar
em troca todo carinho que ela nos proporciona.A Claudia veio logo atrás e sentou
do meu lado, ofereceu o que tinha, um isotônico que me deu um certo gás, achei
um ato bonito...compartilhar.Água em trilhas são nossa maior riqueza acreditem
e ela me ofereceu o pouco que tinha.
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Claudinha |
Aceitei de muito bom grado,
eu tinha minha água, vim muito precavida com três garrafinhas cheias,
lanchinhos e minha câmera essa não consigo mais deixar pra trás.
Já recuperada continuamos
nosso caminho, as subidas não cessavam e certo esgotamento ia tomando conta de
todos.
Uma figura nesse pedal me
chamou muito atenção, alias duas figuras, uma foi a Silvia a outra a Ju.A
Silvia me lembrou muito meus primeiros pedais, na minha caloi dura e pesada mas
que foi meu maior aprendizado pra partir pra “Cecília” (Cecilia é a minha bike
que carinhosamente coloquei esse nome por que a ganhei no mesmo dia que minha
sobrinha Cecília nasceu) ela veio na sua bicicleta simples mas foi guerreira,
cheia de fibra, de vontade e de muito “sangue no olho” como costumo dizer
quando queremos muito atingir um objetivo.
A Ju quebrando todos os
tabus de que asmático e cardíaco não pedalam, subiu toda essa “morraria” no peito,
no pulmão, no coração e na raça.
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Ju |
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Silvinha |
Duas mulheres lindas a meu
ver, os olhos brilhantes, o rosto forte, altivo, mas que deixavam transparecer
a delicadeza e a beleza que todas nós mulheres possuímos.
O cansaço era evidente em
todos, eu não queria desistir, pedalei, como pedalei, desci algumas vezes da
bicicleta, respeitei tudo que meu corpo me pediu pra respeitar, coisa que antes
da minha lesão eu fazia muito pouco, pra dizer a verdade quase nada.
Compartilhei do aprendizado que
tive com Kico sobre pedal com as meninas, principalmente com a Silvia que ouviu
atentamente e seguiu a risca, e como seguiu ne Silvinha?
Faltava apenas 1km pra
chegarmos até o primeiro ponto do pedal que era a Floresta Estadual do Uaimií, o Pawel padrinho do pedal estava confuso
com o GPS (Ta vendo Pawel fui legal com vc rsrsrsrs) e muito cansado, quando exausto
disse....Abortar missão.
Confesso que eu queria muito, muito mesmo continuar e dava
pra ir, mas quando estamos em grupo devemos respeitar a vontade da maioria, eu,
Silvia, Adriana e Claudia queríamos continuar, mas o resto do pessoal já estava
muito cansado e já com sinais perigosos de desgaste.E respeito pelo próximo é
uma das coisas que temos que levar sempre nas nossas vidas...ali não existia EU
...ali éramos nós... Foi então que decidimos por unanimidade voltar.
A volta foi rápida, mas queríamos o banho de cachoeira,
queríamos o descarrego que acompanha todos quando vamos pro pedal, pedal sem cachoeira
parece que sempre fica faltando alguma coisa.
Foi então que nos lembramos do riachinho que veio nos
acompanhando boa parte do trajeto e paramos as suas margens pra aliviar o calor
do corpo e a alma das frustrações.
Foi um momento bonito, deitar naquelas águas, sentir toda
energia que provinha da mata ciliar que emoldurava a margem.Dois cachorros
curiosos vieram nos alegrar, chegaram de mansinho, meio desconfiados, cachorro
de mineiro mesmo (risos) e logo nos tornamos amigos não teve jeito.
Ainda tinha chão, ainda tinha estrada e muita subida no
retorno me despedi com um olhar e segui caminho.
A ultima subida foi pra mim uma dúvida, mas li num livro que
duvidar de si mesmo é uma das qualidades das pessoas criativas.Busquei força
nessa frase, respirei fundo e subi, subi com todo resto de força que eu tinha,
aquele era o ultimo morro até a entrada de Glaura, um grito saiu da garganta, a
subida foi dolorosa mas deu, deu sim e finalmente o calçamento,a linha de
chegada a prova da minha recuperação total.
Um nó na garganta se fez, eu vim na frente de todo mundo por
que precisava desse momento comigo mesma, e quando vi a igreja matriz dei um
beijo no meu guidão como se beijasse a mim mesma e o no na garganta se desfez
em forma de lágrima.Pois é eu chorei, chorei feito criança.... EU CONSEGUI!!!
Tinha um pessoal parado no bar do seu Branco ( já digo de
passagem lugar que serve a melhor coxinha desse mundo e o melhor molho de
pimenta) todo mundo ficou olhando sem entender.Bati a mão na calça cheia de
poeira vermelha, suor, sujeira e dever cumprido ergui a mão pro céu e
gritei...Aqui é Letícia porra!!! Kkkkkk
Tirei a maquina da bolsa e registrei o momento de chegada de
cada um, eu não sei o que se passava na cabeça deles, mas posso garantir que
pela resenha ( momento que sempre acontece depois de todo pedal) era de
felicidade.
Bicicleta é isso felicidade, verdade e meditação...Um
encontro inevitável com você mesmo, suas fraquezas, sua força e seu amor
próprio.
A volta foi linda o sol se punha devagar, de dentro do carro
ia vendo as luzes incendiando o céu com faiscantes sombreados de vermelho e
laranja, a distância, nuvens escuras acima do horizonte, os ventos mornos do verão...
Em breve o sol daria passagem a noite e com ela viria o silêncio que passa
sobre tudo.
Uma chuva mansa nos presenteou pelo caminho de volta a BH,
deixei o cheiro da chuva entrar pela janela do carro, fechei os olhos e
agradeci....aproveitei aquele momento, por que a vida é isso, aproveitar o
momento e nada mais...
Valeu
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